segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Clarice por Clarice



Clarice Lispector, que impactou a literatura brasileira nos anos 40 com seu romance perto do coração selvagem, continua a encantar gerações de leitores. A escritora fala ao coração de muitos jovens que nem eram nascidos em 1977, quando faleceu. Leitores de todas as idades sentem hoje a intensidade de seus textos. Embora tenha se formado em Direito, nunca advogou, sobrevivendo basicamente do jornalismo e dos trabalhos de tradução.


Ao mesmo tempo em que deixava revelar sua alma em seus escritos, Clarice era extremamente reservada. Costumava evitar declarações íntimas nas entrevistas que cedia, afirmando que nunca escreveria uma autobiografia.


Para sanar a falta de uma autobiografia, a Editora Rocco lançou o livro “Aprendendo a Viver”. Uma coletânea das crônicas semanais da escritora, publicadas no Jornal do Brasil entre agosto de 1967 e dezembro de 1973, onde deixa escapar confissões que permitem compor um auto-retrato, ainda que parcial.


Organizado por Pedro Karp Vasquez, o livro reúne 218 crônicas em que a escritora descreve um pouco de sua vida. Clarice Lispector em Aprendendo a Viver se mostra uma dona-de-casa que se preocupa com os filhos, que tem muitos medos e grandes sonhos. Disposta a não abrir muito sua intimidade, na primeira pessoa relembra acontecimentos e experiências, contando detalhes marcantes e particulares.


Clarice com seu doce tom discute acontecimentos de seu cotidiano, opina sobre temas polêmicos como Deus, encarnação e morte. E até antecipa o que virá em seus próximos romances.
Aprendendo a Viver é uma não-ficção, trazendo os relatos da escritora em ordem cronológica. Da saudade da infância em Recife, as aventuras no Ginásio, o ingresso na faculdade, o casamento, a chegada dos filhos, a carreira de jornalista e termina em reflexões sobre a morte.


De uma maneira livre e ousada conta detalhes de como gostava de ler muito pouco, o modo como gostava do café, dos quilos que ganhava e das dificuldades que passou com um incêndio em seu apartamento. E assim o leitor vai descobrindo coisas muito pessoais de Clarice, como as conversas por telefone com a amiga, diálogos com os filhos, as noites de natal, as viagens.
Sem perder sua classe, Clarice consegue dar um tom de descontração pra algumas crônicas. A escritora faz interrupções para tomar um café, fumar, atender o telefone ou até dar uma volta na praia. Depois com um “voltei” acolhe mais ainda o leitor.


Pelas crônicas escritas de madrugada, durante longas insônias, começamos a desenhar quem é Clarice. Com ela viajamos a Europa, temos medos, sofremos, e até partilhamos encontros com Guimarães Rosa e conversas com Rubem Braga.

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